domingo, 29 de março de 2009

Lisboa Revisitada IV: Cantinho de Outros Tempos

Num dos recantos nascidos da perpendicularidade das linhas da Basílica dos Mártires (Chiado, Lisboa), encontro este poeta de outros tempos. Uma estátua, de facto, me parecia inicialmente, tamanha a sua quietude e pormenor que fiquei momentaneamente confusa. Mas, em segundos realizei: era uma estátua viva do nosso poeta maior, Luís de Camões, com uma caracterização extraordinária, cada pormenor pensado para a sua melhor concretização.
Dei dois passos atrás, observei melhor aquele que vestia Camões, interpôs-se uma outra caminhante que colocou, na caixa martelada de metal, uma moeda. Este nosso Camões encetou uma poesia dedicada a esta senhora, Alma Minha Gentil Que te Partiste. Enquanto isso, eu fotografava, tentava captar todos os seus maneirismos de época tão bem conseguidos, as suas poses, a sua entoação, tudo, tudo, nas minhas fotos e na minha mente. Borbulhavam questões. Tirei também uma fotografia para a senhora.
Depois, parei, coloquei eu também uma moeda no "cofre de Luís" e coloquei todas as perguntas que me dançavam na cabeça. Durante a conversa fiquei a saber que, em Barcelona, estas estátuas vivas, animadoras das ruas, das gentes e disseminadoras de cultura são por demais frequentes a cada canto, ao passo que ali, em Lisboa, a Câmara Municipal exige a este Camões e a outros uma licença. E é esta a razão para Luís apenas ali estar esporadicamente. Satisfeita a minha curiosidade, o nosso lírico relembrou que, tendo colocado a moeda, também eu tinha direito a poesia. Poesia rica em gestos, expressividade, entoação e classe a que assisti deliciada:

"Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.
Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.

Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura."
(Luís Vaz de Camões)
Sophia