«Digo: "Lisboa" Quando venho do Sul e atravesso o rio
E a cidade abre-se como se nascesse do seu nome
Abre-se e ergue-se na sua vastidão nocturna
Em seu longo luzir de azul e rio
Em seu corpo amontoado de colinas
(...)
Porque digo
Lisboa com seu nome de ser e não ser
Com os seus meandros de espanto, insónia e lata
E o seu rebrilhar de teatro
Seu conivente sorrir de intriga e máscara
Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa oscilando como uma grande barca
Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência.»
(Sophia de Mello Breyner)
E eu digo: "Lisboa", quando venho de norte ao longo da margem do rio e a cidade se ergue na sua imensidão de todas as horas. Abre-se e encerra-se sobre mim, absorve-me, envolve-me, perde-me, entranha-me com as suas raízes, no correr das suas águas cor de prata e das suas colinas desafiando as alturas. Porque digo: Lisboa com seu nome de presente e passado. Com seus recantos de surpresa, de íngremes subidas e descidas, de rebocos de outras vidas e recentes tintas de esmalte. E seu reluzir de luz atlântica e mediterrânica. Seu espraiar de riqueza de tempos idos e pobreza de todos os tempos. Enquanto rio e oceano a abraçam, Lisboa oscilando como um grande ramo de árvore ao vento. Lisboa construída por sonhos, reconstruída sobre estacas de madeira, construtora de sorrisos...
Sophia