Num dos recantos nascidos da perpendicularidade das linhas da Basílica dos Mártires (Chiado, Lisboa), encontro este poeta de outros tempos. Uma estátua, de facto, me parecia inicialmente, tamanha a sua quietude e pormenor que fiquei momentaneamente confusa. Mas, em segundos realizei: era uma estátua viva do nosso poeta maior, Luís de Camões, com uma caracterização extraordinária, cada pormenor pensado para a sua melhor concretização.
Dei dois passos atrás, observei melhor aquele que vestia Camões, interpôs-se uma outra caminhante que colocou, na caixa martelada de metal, uma moeda. Este nosso Camões encetou uma poesia dedicada a esta senhora, Alma Minha Gentil Que te Partiste. Enquanto isso, eu fotografava, tentava captar todos os seus maneirismos de época tão bem conseguidos, as suas poses, a sua entoação, tudo, tudo, nas minhas fotos e na minha mente. Borbulhavam questões. Tirei também uma fotografia para a senhora.
Depois, parei, coloquei eu também uma moeda no "cofre de Luís" e coloquei todas as perguntas que me dançavam na cabeça. Durante a conversa fiquei a saber que, em Barcelona, estas estátuas vivas, animadoras das ruas, das gentes e disseminadoras de cultura são por demais frequentes a cada canto, ao passo que ali, em Lisboa, a Câmara Municipal exige a este Camões e a outros uma licença. E é esta a razão para Luís apenas ali estar esporadicamente. Satisfeita a minha curiosidade, o nosso lírico relembrou que, tendo colocado a moeda, também eu tinha direito a poesia. Poesia rica em gestos, expressividade, entoação e classe a que assisti deliciada:
"Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.
Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.
Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura."
(Luís Vaz de Camões)
Sophia
2 comentários:
Não vi, mas deve ter sido especial.
Sim, foi um momento para guardar. Pequenos pormenores, por vezes, marcam um dia, ou até mais.
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